Ecofilosofia, Ecosofia e Pensamento Ecocrítico
Por Harald Pinheiro
"Quando as abelhas começarem a desaparecer a humanidade pode está chegando ao fim." (Albert Einstein)

As questões ambientais duplamente articuladas entre as esferas da biodiversidade e sociodiversidade, têm despertado inúmeras reflexões de diferentes campos do saber, colocando em diálogo não apenas as clássicas ciências mais conhecidas, mas também as artes e outras tantas tradições milenares da cultura humana e planetária. No plano mais crítico e atual destacam-se conceitos importantes como é o caso de Snow Violence (Violência Lenta), sistematizado pelos estudos do Pensamento Ecocrítico, se referindo a uma violência "invisível", gradual e que, por sua aparente lentidão e letargia nos impedem de ser mais críticos ou mais contundentes na análise, compreensão e intervenção dos problemas ambientais. Nesse texto, apresentaremos alguns argumentos e referências de estudos contemporâneos que justifiquem a urgência de um saber filosófico em torno dos temas ambientais, da vida planetária e, principalmente, uma atitude de consciência ecocrítica para os dias atuais.
Diferentes Ecologias

Filósofo e psiquiatra francês, Félix Guattari (1930-1992) descreveu o papel trifuncional da ecologia nos dias atuais: uma ecologia ambiental, uma ecologia social e uma ecologia mental. Para ele pensar a ecologia hoje requer a contextualização do termo com a sofisticada forma de exploração da natureza implementada desde a modernidade e amplamente aparelhada em recursos técnicos e tecnológicos pela perversidade voraz do sistema capitalista.
As Três Ecologias...

A ecologia ambiental se preocupa diretamente com o meio ambiente e suas formas de manipulação e controle. A atenção é voltada para os desregramentos feitos à biosfera e suas consequências nefastas em detrimento dos usos excessivos da biotecnologia comandadas em larga escala pelo agribusiness. O problema aqui não é a tecnologia mas os fins para os quais ela vem sendo utilizada, como por exemplo, a acumulação de riquezas sem medir consequências aos danos causados à natureza.

A
ecologia social se preocupa com as políticas públicas e as formas de
organização do ambiente coletivo, seja numa comunidade rural ou no espaço
propriamente urbano. Presenciamos em larga escala mundial o desenvolvimento de
políticas privadas e o consequente subdesenvolvimento de políticas públicas,
acirrando as políticas de exclusão social, onde cresce a injustiça social e a fragilização da democracia, fatores também geradores de injustiças ecológicas e humanas.

A ecologia
mental se preocupa com a vida imaterial dos homens. Seus sonhos, desejos,
angústias... mostrando que os atentados contra a biosfera geram também
profundos atentados à psicosfera. Encarando a vida à luz das políticas
neoliberais passamos a vampirizar nossa consciência e privatizar nosso
psiquismo já que a lógica do mercado nos faz acreditar que o mundo é governado
por ambições autônomas. Igualmente
passamos a compreender a realidade pela ótica do individualismo e da
impessoalidade.


O MAL QUE RONDA ESTÁ DO NOSSO LADO!!!
Precisamos encontrar saídas para a solidariedade entre saberes locais e globais que, recursivamente, possam ressignificar a vida mental dos povos do planeta. A mumificação da mente, através do pensamento único que robotiza a vida social nas grandes metrópoles, igualmente mumifica a noção de ecologia, tornando esta objeto e não sujeito, produto e não processo. Romper com o ordinariamente mundano, fruto de um cotidiano irrefletido, é tarefa de uma ecologia mental. A morada do homem é o extraordinário, conforme nos ensinou o sábio Heráclito. no entanto, nosso pensamento mais comum e espontâneo se vê enfeitiçado pela rotina das mídias alienantes e se tornam reféns delas.

O frei Leonardo Boff tem refletindo ultimamente sobre o tema Ecologia e Espiritualidade. Uma de suas mais recentes obras é intitulada Ética da Vida, onde discute os novos desafios ético-sociais para a preservação da vida planetária. A ecologia integral se preocupa com a saúde do planeta visto de uma forma global e holística. Somos partes de um todo e ao mesmo tempo experienciamos esse todo nas partes que estão interligadas. Nosso olhar moderno, fruto de uma razão instrumental, cínica e monológica, só consegue ver fragmentando, separando o que é complexo e multidimencional. O reencantamento do mundo e do que é humano depende desse olhar integrador, que se coloca ao encontro do que é plural em nós.

Ecocrítica, Ecoética e Ecosofia
Esses registros ecológicos articulados entre si constituem num esforço filosófico de compreensão e intervenção do mundo. Chamamos de Ecosofia a esse conjunto de registros que marcam a visão penetrante do homem perplexo: o filósofo, aquele que ao mesmo tempo ama e trama em louvor à vida. Remédio e veneno. Filósofo, aqui, não é o homem estudioso trancafiado em sua alta torre de marfim, neutro e eqüidistante do cotidiano. É o homem comum que assume uma atitude filosofante diante da realidade, tornando extraordinário o meramente ordinário.
A ecosofia é um convite a compreensão e crítica profícua dos simulacros armados pela perversa lógica linear contida na racionalidade moderna que sustenta o falso pressuposto da infinitude dos recursos naturais, tiranizando a natureza e o real.
É preciso recuperar uma sensibilidade do olhar e que alguns estão chamando de Slow Violence, onde pela perplexidade possa perceber e desafiar a estranheza da realidade sem se acomodar a ela. O Pensamento Ecocrítico é um convite à desconstrução e a reaprendizagem já que, pelo olhar instrumental, aprendemos tão somente a desaprender o sentido oculto das coisas. Admirar é, etimologicamente, olhar com encanto. Precisamos enxergar o que o óbvio esconde e dissimula.
Algumas Referências para Aprofundar a Leitura
(*) O Autor é filósofo e tem formação em Psicanálise. É doutor em Ciências Sociais pela PUC de São Paulo. É professor do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da UFAM. Atualmente é doutorando em Filosofia pela UNICAMP.