A Filosofia e as Mulheres: a Construção da Razão Feminina
Por Harald Pinheiro*

Uma boa parte da tradição filosófica foi escrita por homens e isso não é novidade. Mas quando a história faz a remoção de algumas camadas de poeira, contradições e injustiças sociais se depara com elementos suficientes para o avesso dessa misógina hegemonia, revelando diferentes contornos de um protagonismo filosófico, na produção intelectual da mulher em cenários da vida cotidiana pública e privada. Ao passo em que se questiona o papel da mulher reduzida ao universo masculino (Visão Androcêntrica), excluída de subjetividade e desejo é que começam a desmoronar lentamente diferentes formas de dogmática sexista, surgindo importantes conquistas sociais e, principalmente, generosas contribuições no plano da literatura, da filosofia, da história e da psicanálise.
O texto que agora retomamos em versão ampliada e revisada é originalmente datado de 2001 e foi publicado em artigo de jornal no Suplemento de Cultura do JC, em Manaus, com o título O Elogio da Razão Feminina.
Nesse texto, ampliamos os argumentos e estilizamos a discussão sobre algumas mulheres que deixaram sua marca na história apesar de todo processo de invisibilidade que a Elas eram direcionados. Mesmo assim, as mulheres se fizeram presentes em importantes passagens da vida política, intelectual, social religiosa do mundo Ocidental. Nessa nova edição do texto adaptado para o nosso Blog da Filosofia indicaremos também uma vasta bibliografia para quem se interessa pelo assunto e deseja aprofundar seus conhecimentos. Espero que gostem.
Mulher na Clausura da Razão

Em diferentes momentos e contextos da invisibilidade feminina a presença das mulheres letradas e não letradas apareciam sob forma pouco privilegiada, quase sempre assumindo um papel menor, secundário e, no máximo, de coadjuvante de alguma escalada de sucesso masculina.
No contexto da Antiguidade Clássica, na Grécia, as mulheres (assim como escravos, estrangeiros e crianças) não faziam parte da cidadania ateniense, pois constituíam sujeitos sem direitos, alijada de toda moralidade jurídica e ainda com um sério agravante: para o sistema de ensino as mulheres representam a total incapacidade de aprender já que nasceram - numa das visões hegemônicas do jusnaturalismo grego - destituídas de racionalidade. Nas primeiras traduções latinas dizia-se sobre elas: "Res Nec Cogitans", isto é, as mulheres são coisas não pensante.
O filósofo Aristóteles, a enciclopédia ambulante da Antiguidade Clássica, concebia as mulheres como um homem imperfeito. Na obra Mênon, de Platão, é bastante difundida a ideia socrática de que mesmo o escravo instruído corretamente por meio da Maiêutica (Método de Sócrates), poderia ascender a um nível minimamente razoável de compreensão das ideias verdadeiras. Mas, para o filósofo de Estagira, nem com todo o esforço filosófico a mulher poderia chegar a um nível minimamente concebível de inteligibilidade, já que ela nasceu com um defeito de fabricação, sendo, portanto, desprovida de razão e entendimento lógico.


Mulheres de Atenas


De Chico Buarque
Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Vivem pros seu maridos, orgulho e raça de Atenas
Quando amadas, se perfumam
Se banham com leite, se arrumam
Suas melenas
Quando fustigadas não choram
Se ajoelham, pedem, imploram
Mais duras penas
Cadenas
Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Sofrem pros seus maridos, poder e força de Atenas
Quando eles embarcam, soldados
Elas tecem longos bordados
Mil quarentenas
E quando eles voltam sedentos
Querem arrancar violentos
Carícias plenas
Obscenas
Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Despem-se pros maridos, bravos guerreiros de Atenas
Quando eles se entopem de vinho
Costumam buscar o carinho
De outras falenas
Mas no fim da noite, aos pedaços
Quase sempre voltam pros braços
De suas pequenas
Helenas...
Revendo algumas biografias de filósofos famosos nos deparamos com essa incapacidade de lidar com o pensamento autônomo de mulheres, ainda que muitas delas tenham compartilhado da vida desses filósofos de forma mais íntima, como amantes, companheiras, esposas, irmãs ou mesmo a própria mãe. Nessa perspectiva, como pensar um Sócrates sem sua Xantipa, que o obrigava a exercer seus diálogos filosóficos bem longe de sua casa para não importuná-la, livrando-se dos inconvenientes das farras e bebedeiras que figuravam os famosos banquetes filosóficos da época. Livrava-se também de ter que aturar os constantes assédios masculinos a seu marido (embora fosse um comportamento naturalizado na Grécia Antiga), sobretudo por Alcebíades que, toda vez que encontrava o velho sábio jogava-se aos seus pés e declarava seu amor, como descrito no Banquete de Platão.
Da mesma forma, como poderíamos imaginar o filósofo Artur Schopenhauer (1788-1860) se não fosse o ódio publicamente construído e assumido pela mãe, já famosa como poeta e frequentadora de salões nobres na Alemanha? Havia sombra demais entre a poetiza e o filósofo, fruto de uma concorrência compreendida hoje somente à luz da Psicanálise. Numa de suas últimas aparições públicas juntos Schopenhauer teria dito a sua mãe que ela só seria conhecida pela posteridade através dele. Há quem afirme que estaria nesse evento privado a razão de seu pessimismo e niilismo que permaneceu inalterável na raiz de seu pensamento. Definitivamente a relação desse filósofo com as mulheres foi marcada por sucessivos problemas. que lhe causavam inúmeros incômodos físicos. A sua Metafísica do Amor destaca bem a visão recorrente no imaginário masculino da época, associada a visão e naturalista como um determinismo que a mulher não pode fugir dessa condição inexorável que a biologia lhe impõe.
Fato semelhante ocorrido com Friedrich Nietzsche (1844-1900) quando se apaixona pela filósofa de família russa-alemã, Lou Andreas-Salomé (1861-1937). Alguns comentadores mais ásperos, embora superficiais, associaram também a misoginia desse filósofo à recusa radical que Lou teria lhe dado como resposta ao ser pedida em casamento, sugerindo a ele a condição eterna de amante, mas nunca a condição de esposa.
Lou Salomé pela sua genialidade, beleza e espírito de liberdade despertou a paixão triangular entre Nietzsche e Paul Rée, despertando igualmente o interesse poético de Rainer Maria Rilke. Lou deu insinuantes colaborações ao pensamento psicanalítico de Freud. Também Wagner e Tolstoi disputaram a companhia de suas ideias e de sua amizade.
A ironia dessa famosa fotografia abaixo, onde aparecem os três amigos Paul Rée, Nietzsche e Lou Salomé, é a sarcástica crítica ao machismo que a imagem nos sugere. No lugar dos cavalos estão os dois amigos e simbolizando o cocheiro a genial Lou Salomé segurando um chicote. O engraçado de todo esse desdobramento da representação que a imagem revela, deve-se ao fato de que uma das máximas misóginas de Nietzsche é precisamente a que diz: "Vais encontrar uma mulher? Então, não esqueça de levar o chicote."

Outra representação dessa invisibilidade feminina revela-se durante a história do já consagrado filósofo Pedro Abelardo (1079-1142) com sua aluna Heloísa de Argenteuill (1090-1164). O primeiro e maior intelectual da Idade Média - segundo o historiador francês Jacques Le Goff - teve sua biografia profundamente entrelaçada com a jovem e assustadoramente inteligente Heloísa, mulher letrada que mantinha relativo domínio da lógica, retórica, poesia, além do grego e latim, o que era incomum para os padrões da época.
O resultado dessa paixão improvável lhe rendeu uma história de perseguições ao amor proibido que culminou, entre outras calamidades, a castração de sua honra e virilidade sexual. É certo que o exímio cavaleiro da dialética, conhecedor a fundo da lógica e da retórica já era famoso ao se apaixonar por Heloísa, mas não teria sido a surpreendente habilidade intelectual da jovem Heloísa, conhecida por sua erudição e eloquência em quase toda França do século XII que os fez resistir às contrariedades e superar a mutilação física e moral de Abelardo?
Durante quase toda a História da Filosofia a mulher em geral e, as filosofas e intelectuais, em particular, ainda se encontravam condenadas às sombras misoginia. Por vezes ocorria uma liberdade tutelada pela chancela do marido ou do amante. Foram poucas as mulheres letradas e esclarecidas que conseguiram romper esse estigma dominante de uma sociedade masculina, de onde sobressaia um dos modos mais perversos de pensar o feminino, onde a imagem da mulher (independente de ser letrada) era associada à serpente do Gênese, ao pecado, em frequente conluio com o diabo, geralmente herdeira de uma longa tradição bíblica que remonta aos tempos de Maria Madelena. Heloísa era sobrinha de um importante comerciante, Conde de Fulbert, que recebeu severa punição da Igreja. Heloísa se tornou freira e depois abadesa. As cartas escritas e trocadas pelos dois configura-se de um primor literário, mas sobretudo revela uma mulher jovem muito além do seu tempo, defendendo ideais incomuns para seu tempo.
Durante a baixa Idade Média, de onde instituiu-se o Tribunal do Santo Ofício, os inquisidores concentraram seu principal alvo nas mulheres. No século XV, em 1484, surge pelas mãos de dois monges alemães James Sprenger e Heinrich Kramer, um famoso manuscrito Malleus Maleficarun que iria concentrar toda misoginia de uma época na perseguição de mulheres e na caça às bruxas. Publicado no Brasil como Martelo das Feiticeiras, apresenta uma discussão psicanalítica plausível sobre a "Inveja do Útero" em sociedade patriarcais. A obra acompanha um estudo da feminista Rose Marie Muraro.
Abaixo alguns trechos do Filme Em Nome de Deus que retratou a história de Abelardo e Heloísa e que se baseou no livro autobiográfico que o filósofo escreveu Histórias das Minhas Calamidades.
Abaixo, à esquerda gravura de Abelardo e Heloísa, no Manuscrito de Roman de La Rose, século XIV. E à direita, Heloísa em desenho do século XIX.



No Aufklarüng de Kant a Mulher deve usar Barba
Como se não bastasse toda misoginia aristotélica que atravessou séculos da Antiguidade à Idade Média, a Modernidade metódica de Descartes, esclarecida de Kant e todo amplo discurso de equidade em Rousseau não trará grandes novidades na questão das Mulheres, que ainda se situavam às margens de uma sociedade igualitária. Mesmo com todo movimento das revoluções burguesas do século XVIII (Liberté, Igualité e Fraternité), predominava ainda os discursos e práticas sexistas, alguns sem nenhuma desfaçatez. As mulheres não frequentavam as Universidades, redutos de exclusividade masculina, de onde o conhecimento aristotélico e androcêntrico se dogmatizou por quatrocentos anos.
Mesmo nos espaços extramuros das Universidades (Salões Nobres e Reuniões Científicas), onde frutificava as grandes novidades experimentais do universo das ciências naturais as mulheres só poderiam frequentar acompanhadas por seus maridos e a elas não se permitia opinar sobre o que apenas seus olhos teriam licença para saber. Como foi o caso da escritora Margareth Cavendish, no século XVII.
Tal espírito revolucionário da modernidade burguesa abriu certo espaço para as mulheres aristocratas que aparecem como
adeptas de uma "filosofia de salão", nos encontros da nobreza esclarecida. Cavendish foi a primeira mulher convidada
pela Academy Royal of Cience a observar ensaios experimentais, no século
XVII, evidentemente impedida de poder falar sobre tais experimentações e ideias.
Alguns filósofos se incomodaram com essa abertura dada às mulheres e não pouparam insinuações deselegantes em comentários anedótico, desdenhando da possível capacidade feminina de produzir ciência e pensar filosoficamente. Para alguns pensadores, os espaços de suposta "natureza masculina" como as Universidades e as Casas Aristocráticas, por onde se apresentavam os famosos Gabinetes de Curiosidade acabariam por se transformar num circo, caso fosse possível a participação ativa de mulheres. Entre esses filósofos, Kant dedica algumas linhas a inadequada aptidão que mulheres teriam ao lidar com conhecimentos abstratos, metafísicos, transcendentais, racionais e complexos. Caso isso fosse possível as mulheres adeptas a esse "modismo" teriam que "usar barba". E acrescenta outras implicações causadas por mulheres esclarecidas, entre elas, àquelas que inibem as pretensões sexuais masculinas e os desestimulam ao casamento.
É curioso o fato de que o autor que pensou a palavra-conceito AUFKLARÜNG, conhecida como Idade da Razão, da Maioridade Intelectual, da Autonomia do Pensamento e do ESCLARECIMENTO, seja o mesmo que tenha deixado de fora uma parcela significativa da humanidade.
Em plena expansão da Razão em seu plano de universalidade as mulheres continuariam interditadas em muitos espaços. Talvez por isso a filósofa e feminista Márcia Tiburi tenha manifestado seu descontentamento a uma grande lacuna deixada pela História da Filosofia, ao dizer: "Que ela [a filosofia] pouco tenha se ocupado seriamente das mulheres talvez explique por que "elas" tenham feito tão pouca filosofia ao longo desses dois mil anos de inauguração formal do lógos". (In: "As Mulheres e a Filosofia". Org. Tiburi, Menezes e Eggert, SP: Unisinos, 2002).
Margareth Lucas Cavendish (1623-1673) foi autora de uma famosa obra intitulada O Mundo Resplandecente. Teve livre acesso aos Salões onde ocorriam as exposições de Ciência Natural, geralmente lugar dominado pela atmosfera masculina.


Declaração Universal dos Direitos da Mulher e da Cidadã
A Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã é de autoria da feminista Olympe de Gouges (1748-1793), pseudônimo de Marie Gouze que foi uma escritora, dramaturga, ativista política e abolicionista francesa. A Declaração foi uma resposta a Rousseau e sua Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Os escritos feministas de sua autoria alcançaram enorme audiência. Foi uma defensora da democracia e dos direitos das mulheres. Em 1791 ingressou numa associação de lutas por igualdades de direitos e lá proferiu sua famosa sentença: "Se a mulher tem o direito de subir ao cadafalso; ela deve igualmente ter o direito de subir à Tribuna". Após escrever uma peça de teatro que clamava por diferentes formas plebiscito "As três urnas, ou a saudação da Pátria, por um viajante aéreo", foi presa e depois levada a Guilhotina.



Outra importante filósofa e escritora pioneira na luta por direitos das mulheres é a inglesa Mary Wollstonecraft (1759-1797). Morreu prematuramente aos 38 anos de idade, mas deixou publicado um manifesto que se tornou um marco da emancipação feminina em plena expansão do Iluminismo inglês, certamente sua obra mais difundida. Enquanto o Iluminismo se constituía como uma ordem androcêntrica, Mary Wollstonecraft, defendia a mesma ordem racional para homens e mulheres, sem distinção. De uma família erudita e convivendo livros e ideias, foi mãe de Mary Shelley, jovem escritora que deixou publicado o famoso conto de Frankestein.

Filósofas Contemporâneas: como filosofar no Feminino
Na Filosofia Contemporânea podemos escolher alguns nomes que surgiram na contramão da cultura patriarcal. Entre esses nomes destacam-se os de Simone de Beauvoir, Hanah Arendt, Simone Weil, Edith Stein e mais recentemente as filosofas e ativistas Judit Butler e Ângela Davis.
Uma das filósofas de maior destaque no século XX é certamente Hannah Arendt (1906-1975), judia alemã, escreveu várias obras importantes para compreender o pensamento político, ético e filosófico contemporâneo, como é o caso de "Origens do Totalitarismo" (1951), "A Condição Humana"(1958), "Entre o Passado e o Futuro" (1961), "Eichmann em Jerusalém" (1963) entre outras. Karl Jaspers a orientou em seu doutoramento, com o tema "O Conceito de Amor em Santo Agostinho". Foi aluna, amiga e amante de Martin Heidegger. Durante anos ela e o filósofo do Ser e Tempo trocaram inúmeras cartas, refletindo sobre vários temas, inclusive, numa delas sobre sua ausência e sua distância, já que passou a morar em Nova York, por conta do nazismo. Definiu o pensar como aquilo que "aproxima-se da distância".
Outra grande pensadora que pontifica um lugar privilegiado entre as principais filósofas e ativistas do século XX é sem dúvida Simone de Beauvoir (1908-1986). Quando se fala em Beauvoir, pensamos na ativista política e feminista francesa, amante de Jean-Paul Sartre, com quem dividiu quase toda sua vida. Literalmente o amor pela filosofia os uniria e formariam um par de filósofos-amantes: foram únicos sem perderem suas singularidades e se permitirem uma dialogia de ideias e afetos. Um não fazia sombra ao outro. Radiavam luzes ora pela filosofia, ora pela literatura.
Curiosamente esquecemos sua contribuição à Filosofia Existencialista. Assim como Sartre, Simone fez de sua literatura um espaço pra refletir temáticas existenciais: a angústia, o nada e a morte. Este último tema ela coloca em relevo de forma brilhante a maior máxima existencialista (sobretudo de Martin Heidegger): "O Homem é um Ser para Morte". A dimensão politicamente feminista de Simone em "Segundo Sexo", não pode ser amplamente compreendida sem situar a escritora como filósofa e livre pensadora, dotada de uma posição existencial nada romântica e muito menos emoldurada de uma visão tendenciosamente sexista e reducionista no que diz respeito a questão de gênero, que, aliás, é predominante nos dias atuais. Um suposto lugar comum certamente criticado por Ela própria se estivesse viva.

Foi a primeira filósofa do século XX a compreender e articular a luta feminista com uma nova tarefa existencial e política no campo do pensamento. O existencialismo lhe ofereceu as condições necessárias para suas obras filosófico-literárias que marcariam em pouco tempo sua carreira de romancista e feminista atuante. Como fiel existencialista Simone acreditava que os seres humanos são responsáveis pela sua história e possuem nas mãos a liberdade de escolha de seu destino.
Num de seus mais famosos livros "Segundo Sexo" pretende compreender como se deu o desenvolvimento da sociedade patriarcal e as condições de superação por parte das mulheres nesse modelo de sociedade mostrando a "...dimensão inaceitável da subordinação feminina ao longo da história". Essa obra publicada inicialmente no final da década de cinquenta repercutiu de forma impactante nas décadas subsequentes , alterando sensivelmente o rumo das questões comportamentais, políticas e filosóficas relativas às mulheres.
Simone de Beauvoir contribuiu nos anos 60 e 70 para a festejada revolução sexual que estremeceria os rígidos valores do Pater Familias, emancipando a mulher da autoridade tirânica do marido. O casamento como instituição patriarcal seria - juntamente com a família - alvo de críticas da filósofa que, segundo ela, só tornava a individualidade feminina tão inacessível quanto a sua própria liberdade. O matrimônio marcaria a "obscena" submissão da mulher frente as tarefas do lar, reduzindo a sua liberdade à dimensão do dever e da obrigação.
Desde Aristóteles a mulher fora considerada como o "Outro do homem", produto de uma essencialidade secundária, subordinada ao homem, ser essencial da história e agente central da humanidade. Segundo ela, "...o que define a situação das mulheres de uma forma notável é que, ao mesmo tempo que existe uma liberdade autônoma em cada criatura, a mulher se descobre e se escolhe em um mundo onde é obrigada pelos homens a se aceitar como outro".
Diante tantas formas de sexismo cabe destacar que Simone de Beauvoir não reduziu suas convicções políticas das causas feministas às disputas de ódio ou ataques oportunistas aos homens (o que seria uma outra forma de sexismo truculento), como algumas feministas americanas fizeram na década de 60. Beauvoir continuou firme em suas convicções e apontava como alvo não o homem, mas as instituições e a cultura patriarcal responsável pela interdição da liberdade feminina. O certo é que Simone de Beauvoir deixou um legado intelectual e político ao mundo dos homens. Ao mundo feminino, sintetizou sua luta com sua máxima: "Não nascemos mulher; tornamo-nos mulheres!!!"

(Clarice Lispector)

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(*) O Autor é filósofo e tem formação em Psicanálise. É doutor em Ciências Sociais pela PUC de São Paulo. É professor do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da UFAM. Atualmente é doutorando em Filosofia pela UNICAMP.



